quarta-feira, 15 de junho de 2011

O que nos move é mais profundo do que a crítica às escolas

Educadores como John Holt, James Herndon, George Dennison e, mais atualmente, Ken Robinson, escreveram muito sobre os males que as escolas podem fazer às crianças. Talvez eu ainda venha a escrever mais sobre isso, mas no momento eu queria falar que a prática do unschooling tem diversas motivações independentemente da opinião que temos sobre as escolas:

1) Você pode achar que a educação dos seus filhos concerne muito mais a você do que a qualquer instituição. Afinal, os pais que gostam e desejam participar do desenvolvimento dos seus filhos os conhecem muito bem, sabem quais são seus potenciais, suas virtudes e defeitos, suas aptidões, suas tendências, melhor do que qualquer professor, melhor do que o ministro da educação, que a diretora da escola particular, que o presidente, que qualquer pessoa que tenha opinado da hora da decisão pela composição do currículo escolar.

2) Você pode achar que as necessidades educacionais dos seus filhos não podem ser atendidas em uma situação escolar normal. Por exemplo, você pode desejar que a educação do seu filho esteja vinculada à educação religiosa. Você pode desejar que nos aprendizados sobre o planeta, o universo, a vida e a morte, as estrelas, as formas de energia, etc, os valores religiosos da sua família possam ser discutidos de maneira entrelaçada com o conteúdo, lembrando que isso pode ser feito sempre mantendo a observância das evidências científicas sobre cada assunto. Outro exemplo: você pode considerar que seu filho é uma criança extremamente ativa e que para ele seria uma tortura passar várias horas do dia, vários dias na semana, várias semanas do ano, sentado numa cadeira aprendendo passivamente. Uma criança pode aprender biologia num livro ou através da palestra de um professor, mas pode aprender as mesmas coisas num passeio no campo ou na praia, conversando com a mãe, o pai ou um tutor. Pode aprender história na sala de aula ou numa viagem, num museu. Obrigar uma criança muito ativa a permanecer sentada e calada por muito tempo é um caminho possível para pseudo-diagnósticos de TDAH (para mais informações, ver o livro "The myth of the ADD child", de Thomas Armstrong). Uma criança muito ativa pode ser medicada para conseguir lidar com a escola ou pode viver um aprendizado livre das quatro paredes da sala de aula (nos Estados Unidos, diagnósticos de TDAH, são um grande fator que impulsiona diversos pais a tirarem seus filhos da escola e perseguir um novo modelo de educação).

3) Você pode acreditar que ter liberdade de desenvolvimento e construção do aprendizado é melhor do que seguir a ordem imposta pelos currículos. Você pode acreditar que as crianças são curiosas e inteligentes por natureza, e se não matarmos seus espíritos investigadores do mundo, elas serão muito bem sucedidas em aprender aquilo que necessitam para ocupar a posição que desejarem no mundo. Quem estiver atento pode perceber diariamente em diversos lugares exemplos de como as coisas que realmente importam para uma pessoa ou grupo de pessoas são aprendidas por elas mesmas através de seus interesses, sem a necessidade de que alguém ou alguma instituição tome a decisão por elas e a iniciativa de ensiná-las.

4) Você pode desejar que seus filhos tenham a oportunidade de aprender com real entusiasmo. No livro "Como amar uma criança", Janusz Korczak diz:

"Se você é capaz de diagnosticar a alegria da criança, sua intensidade, notará que a maior alegria dela é sempre porque venceu alguma dificuldade, atingiu um fim, desvendou um mistério. É a alegria da vitória, a felicidade de se sentir independente, de dominar o mundo, de ver seu próprio poder."

De que maneira a passividade de uma sala de aula poderia fornecer matéria-prima para isto? Como, se o desafio não é real para a criança, e sim imposto por outra pessoa? Como, se a recompensa, um número num papel, na maioria das vezes nada tem a ver com o que foi realmente conquistado por ela? O jogo da criança escolarizada é diferente do jogo da criança não escolarizada. A primeira quer desvendar qual a resposta que o professor quer escutar, aquela que vai lhe dar a melhor nota e vai fazê-la atravessar o ano suavemente. A segunda deseja saber a verdade sobre o mundo que a cerca, encontrando sempre um enorme prazer no desenlace de cada mistério.

5) Você pode desejar passar mais tempo em família, querendo participar e ver a beleza do processo do aprendizado e da aquisição de conhecimento dos seus filhos. Quem vivencia a chegada de uma criança na família e admira a rapidez com que ela aprende a segurar a cabeça, dominar seu corpo, caminhar, falar, pode se sentir no direito de participar de maneira ativa na continuidade deste processo, que é a descoberta da biologia, da física, da matemática, da geografia, da economia. No livro "teach your own" John Holt publicou uma carta de uma mãe dizendo que decidiu tirar os filhos da escola porque ela adorava a presença deles, e durante o ano letivo o "grande monstro amarelo" (ônibus escolar) levava as crianças para depois devolvê-las exaustas, mal-humoradas e famintas. Sua interação com eles limitava-se a alimentá-los, organizar o banho, e colocar para dormir. No primeiro ano de ensino domiciliar, as crianças desabrocharam como nunca no desenvolvimento de diversas aptidões e todos estavam muito mais felizes. Este desejo, que deve ser respeitado, é natural em muitas mães e pais, especialmente naqueles que decidiram ter filhos porque queriam a companhia, a presença e a alegria das crianças em casa, e não só porque ter filhos é uma coisa que todas as pessoas casadas fazem. Vale lembrar que desejar uma maior proximidade com os filhos não significa a inobservância das suas necessidades de ter amigos e de conviver com outras crianças de várias idades.

Eu mencionei apenas alguns motivos, e outras famílias podem ter outros para enriquecer a lista. O que quero dizer é que o unschooling pode ser justificado e motivado sem a necessidade de muita crítica às escolas. Ou seja, mesmo que as escolas fossem bem-sucedidas em fazer as crianças aprenderem os fundamentos acadêmicos e em socializá-las para se tornarem adultos amigáveis, cultos e generosos, o unschooling ainda teria uma razão de ser. Eu acredito que devemos sempre defender o direito das famílias em não querer nada disso do que eu falei e de ter opções de escolas de qualidade para mandarem seus filhos, mas esta não é a minha luta. A minha luta é pelo direito de trilhar outro caminho.

6 comentários:

  1. tenho pensado nisso ultimamente, fe..... e em como eu como mãe ativa, sem empregada domestica vou dar conta disso tudo.
    é possivel e me manter sã no fim do dia?
    bjos
    fabiolla do hari

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  2. que linda mensagem, amor!
    é exatamente isso: por melhor que a escola possa ser (apesar de sabermos que não é uma maravilha), nossa intenção, nosso foco maior, é em ter outras coisas que escola nenhuma consegue proporcionar.

    não é uma luta contra a escola, e sim uma luta pelo direito de viver em comunidade de uma forma mais completa, mais participativa, envolvendo, principalmente, os filhos e colaborando ativamente na sua evolução, de acordo com as suas demandas.

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  3. Oi Fabiolla, desculpe a demora em responder. Eu acredito que seja possível sim, porque ao dar início à sua própria desescolarização você será capaz de incluir seu filho na sua rotina, na rotina dos demais familiares, e pode ser uma experiência extremamente agradável para ambos. Cooperação é a palavra!
    Beijos e vamos nos falando.

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  4. Olá, Fernanda!

    Acedi ao seu blog atravás do link que a Paula disponibiliza no seu blog "Aprender Sem Escola", que eu sigo. Apesar da Paula viver no Reino Unido, como é portuguesa, já nos encontrámos cá em Portugal quando ela veio cá de férias.
    Eu vivo em Portugal, no concelho (município) de Sintra, perto de Lisboa.

    Como família e em sintonia, resolvemos não escolarizar o nosso filho mais novo, agora com oito anos, desde que ele nasceu. :)
    A nossa identificação com o Unschooling e tudo o que John Holt transmitiu é muito idêntica à vossa. Temos enveredado pelo unschooling, embora a legislação portuguesa que permite o ensino doméstico (domiciliar, aí, não é?), obriga a prestar provas no final do 4º ano de ensino (aos 9 anitos) e agora andamos a ver qual será a melhor forma de podermos continuar com o unschooling, que é o que faz sentido para nós.

    Costumo escrever em dois blogs, "A Escola É Bela" (em http://escolabela.wordpress.com), que é o "nosso blog de família" e num outro, "Pés Na Relva" (em http://pesnarelva.wordpress.com), que é um blog onde escrevem várias famílias que praticam o ensino doméstico em Portugal, se bem que ultimamente sou eu quem tenho escrito por lá mais vezes...

    Desculpe todo este texto longo para me apresentar. Quero perguntar-lhe se posso incluir um link no meu blog, para este vosso, pois gosto muito dos seus textos e são muito úteis para quem quer saber mais sobre o unschooling. E também se posso indicar num post na Escola É Bela um link para este seu post que está muito interessante e para o post seguinte sobre os professores, pois aqui há tempos escrevi um post na Escola É Bela intitulado "Somos anti-escola?" ( http://escolabela.wordpress.com/2010/10/31/somos-anti-escola/ que se coordena perfeitamente com esse e gostaria de referenciá-lo. Posso?

    Desde já muito obrigada e muitas felicidades para vós!
    Um grande abraço
    Isabel de Matos

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  5. Oi Isabel, que prazer ouvir sua história, fiquei muito feliz que você tenha gostado dos meus textos, pode incluir os links que você mencionou sim! Eu que agradeço a honra!

    Espero que possamos conversar mais e compartilhar nossas histórias. Posso também colocar aqui os links para os seus blogs?

    Grande abraço,
    Fernanda

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  6. Olá, Fernanda, muito obrigada!

    Claro que também pode colocar aqui os links para a Escola É Bela e Pés Na Relva.
    Eu tenho feito uma pausa quanto a escrever artigos para os blogs, mas quando retomar quero muito divulgar este seu blog.

    Também li o relato do seu parto natural e adorei, sim, como sabe também o Alexandre nasceu seguindo os preceitos do parto natural e na água, embora não em casa, mas numa maternidade muito especial, a Acuario, em Beniarbeig, Espanha (o médico nem teve tempo de chegar, nasceu connosco (as irmãs e o pai a participarem) e com a parteira).

    Pois eu não disse no meu comentário anterior, mas identifiquei-me muito com o que você aqui conta e com o que escreveu no seu perfil (quem sou eu?), vi termos muitos pontos em comum.

    Vamos sim conversar mais e compartilhar as nossas histórias.

    Muitos beijinhos
    Isabel

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