quarta-feira, 19 de setembro de 2012

É preciso ouvir toda a vibração dos olhos de uma criança


Esta semana meu filho se interessou por amarrar coisas: cadarços, laço, nó. Mexendo num par de cordinhas, me perguntou: “mamãe, me ensina a dar um nó?”. Respondi que sim, claro. Sentei-me ao lado dele e estendi a mão para pegar na cordinha. Ele não deixou. Fiquei olhando intrigada, e ia falar algo do tipo “como eu posso te ensinar se você não me deixa pegar na cordinha?”. Mas me calei. Fiquei um tempinho ao lado dele, depois me levantei, já que ele estava entretido sozinho com as cordinhas, e fui arrumar uma prateleira do quarto. Ele parou e chamou de novo: “vem cá, mãe, me ensina!”. Lá fui eu de novo. E ele não me deixou tocar na cordinha de novo. Nesse momento tive certeza de que ele não queria ser ensinado, mas queria a minha companhia enquanto ele brincava de dar um nó, do jeito dele. Fiquei lá do ladinho por mais tempo, e ele começou a falar “Está vendo, mamãe? É assim, enrola aqui, coloca aqui, é assim ó! É assim que eu faço!”. Ele queria me mostrar, orgulhoso, o “jeito dele de fazer um nó”.

No dia seguinte ele foi repetir a brincadeira com um familiar, que infelizmente não compreendeu o ritmo da brincadeira. E falou exatamente o que eu quase falei: “Como posso te ensinar se você não me deixa pegar a cordinha? Tá errado, deixa eu te mostrar como faz!”. Ele, claro, não deixou. Interferi, disse que ele não queria ser ensinado, apesar de ter sido esta a frase dele: “Me ensina”.  Que ele queria apenas companhia, alguém ao lado enquanto ele brincava. Mas a maioria das pessoas infelizmente não consegue compreender isso...

A verdade é que os adultos mal conseguem esperar pela oportunidade de ensinar coisas às crianças, como se elas não fossem capazes de aprender por observação ou como se fosse muito ruim esperar a criança pedir de verdade para que alguém a ensine algo. A frequência com que escuto a frase “vou te ensinar...” é enorme, e a receptividade é sempre a mesma: o rosto nublado, a cara de quem simplesmente não está a fim, o desânimo de quem tinha outros planos naquele momento. A verdade é que fomos criados desta maneira, e se não tomamos a decisão de ativamente mudar este padrão, nós os repetimos. Eu não acredito que seja o comportamento mais saudável a ser adotado entre crianças. Acredito que o olhar atento às necessidades delas em termos de aprendizado, e o fornecimento de ferramentas e meios de buscar aquilo que desejam descobrir é muito mais importante do que a imposição de conhecimentos, em qualquer fase da vida de uma criança ou de um jovem.

Tenho certeza de que vai chegar o dia em que meu filho irá realmente desejar aprender a dar laços e nós do “jeito dos adultos”. Tudo a seu tempo. Enquanto isso, admiro-o emocionada enquanto ele amarra, “do jeito dele”, concentradíssimo, os cadarços do seu sapato.

domingo, 11 de setembro de 2011

Os professores são importantes, sim!

Quando o assunto é desescolarização eu educação sem escola, as primeiras pessoas que reagem negativamente são os professores. Se eu penso que a educação fora da escola (esta escola que conhecemos hoje) é melhor, os professores são então desnecessários?

Primeiro gostaria de fazer uma breve retrospectiva histórica: o que eram os professores de antigamente? No geral eram pessoas que dominavam uma arte: os marceneiros que tinham habilidade para ensinar o ofício ensinavam marcenaria aos aprendizes, o mesmo para os ferreiros, os agricultores, os músicos. É bastante recente na história da humanidade uma especialização em "ensino" isolada do domínio de alguma habilidade concreta. Essa especialização tem muitas vantagens, mas também tem uma desvantagem - um professor com formação exclusivamente em pedagogia costuma ser menos interessante para uma criança do que um músico, um geógrafo, um matemático, um pintor que fale apaixonadamente sobre sua área.

A desescolarização não é contra os professores. É sim, contra o ensino compulsório. É contra o professor decidir (ou obedecer quem tenha decidido) o que será ensinado ás crianças sem a participação delas. É a favor de permitir que a criança explore o aprendizado e o conhecimento de maneira autônoma, com liberdade para estar com os professores ou outro profissional que ela deseja.

Recentemente eu passei a sentir muita vontade de aprender a desenhar. Corri atrás de uma professora que está me ensinando, e tem sido maravilhoso. Terrível seria eu ser forçada a aprender técnicas de desenho, em qualquer momento da minha vida em que eu não estivesse interessada nisso. Uma delícia tem sido este aprendizado agora, que eu manifestei esta vontade.

Os professores são fundamentais, indispensáveis, como facilitadores do aprendizado. Mas são verdadeiros traumas na vida de muitas crianças quando estão ali para impor.

Para os professores ou estudantes que pretendem seguir suas carreiras dentro de escolas tradicionais, eu sugiro que também pesquisem sobre desescolarização, porque há muitas informações valiosas que podem ser usadas dentro de sala de aula, para tornar mais agradável o aprendizado e a convivência com as crianças. O educador norte-americano John Holt tem muitas ideias e reflexões interessantes sobre isso no livro "What do I do Monday?".

Ajudar, apoiar, iluminar o caminho. Jamais cercear ou impor.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Um trechinho para pensarmos - lugar e identidade

Retirado do livro de John Holt "What do I do on Monday?" ("O que eu faço na segunda-feira?"), pp. 30 e 31.

"Mais vezes do que eu consigo me lembrar, professores ou pais têm me dito, sobre alguma criança, "Ele não queria fazer tal coisa, mas eu o forcei, e agora ele está feliz, e se eu não o tivesse forçado, ele nunca teria feito nada." Outro dia, um agradável e provavelmente amável professor de natação me falou sobre uma criança que não queria nadar, e que ele o forçou a nadar, e a criança aprendeu e agora gosta de nadar, então por que ele não deveria ter o direito de forçar todas as pessoas a nadar? Existem muitas respostas. A criança poderia ter, a seu tempo, aprendido a nadar por seu próprio interesse, e não ter apenas o prazer de nadar, mas também o prazer muito mais importante, de ter descoberto sozinho o prazer de nadar. Ou ele poderia ter usado aquele tempo para descobrir outras habilidades e prazeres, tão bons quanto. O problema real, como eu falei para este professor, é este: Eu amo nadar, e numa escola onde nada mais é compulsório eu poderia ver motivo para tornar compulsória a natação. Mas para cada criança naquela escola há dezenas de adultos, cada um convencido de que tem alguma coisa de vital importância para "dar" à criança que ela jamais conseguiria por si própria, todas dizendo para a criança "Eu sei o que é melhor pra você [mais do que você]." Depois que todas essas pessoas terminam de obrigar a criança a fazer o que elas 'sabem' que é melhor pra elas, não resta mais tempo nem energia. O que é pior, a criança não tem mais o sentimento de estar sob controle de sua própria vida e aprendizado, ou de que ela poderia ter este controle, ou de que ela merece ter este controle, ou que se ela tivesse esse controle ela não se sairia mal. Em resumo, ela apenas está onde os outros dizem que ela está, ela é apenas o que os outros dizem que ela é."

Estamos formando adultos que têm uma enorme dificuldade em descobrir quem são?

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O que nos move é mais profundo do que a crítica às escolas

Educadores como John Holt, James Herndon, George Dennison e, mais atualmente, Ken Robinson, escreveram muito sobre os males que as escolas podem fazer às crianças. Talvez eu ainda venha a escrever mais sobre isso, mas no momento eu queria falar que a prática do unschooling tem diversas motivações independentemente da opinião que temos sobre as escolas:

1) Você pode achar que a educação dos seus filhos concerne muito mais a você do que a qualquer instituição. Afinal, os pais que gostam e desejam participar do desenvolvimento dos seus filhos os conhecem muito bem, sabem quais são seus potenciais, suas virtudes e defeitos, suas aptidões, suas tendências, melhor do que qualquer professor, melhor do que o ministro da educação, que a diretora da escola particular, que o presidente, que qualquer pessoa que tenha opinado da hora da decisão pela composição do currículo escolar.

2) Você pode achar que as necessidades educacionais dos seus filhos não podem ser atendidas em uma situação escolar normal. Por exemplo, você pode desejar que a educação do seu filho esteja vinculada à educação religiosa. Você pode desejar que nos aprendizados sobre o planeta, o universo, a vida e a morte, as estrelas, as formas de energia, etc, os valores religiosos da sua família possam ser discutidos de maneira entrelaçada com o conteúdo, lembrando que isso pode ser feito sempre mantendo a observância das evidências científicas sobre cada assunto. Outro exemplo: você pode considerar que seu filho é uma criança extremamente ativa e que para ele seria uma tortura passar várias horas do dia, vários dias na semana, várias semanas do ano, sentado numa cadeira aprendendo passivamente. Uma criança pode aprender biologia num livro ou através da palestra de um professor, mas pode aprender as mesmas coisas num passeio no campo ou na praia, conversando com a mãe, o pai ou um tutor. Pode aprender história na sala de aula ou numa viagem, num museu. Obrigar uma criança muito ativa a permanecer sentada e calada por muito tempo é um caminho possível para pseudo-diagnósticos de TDAH (para mais informações, ver o livro "The myth of the ADD child", de Thomas Armstrong). Uma criança muito ativa pode ser medicada para conseguir lidar com a escola ou pode viver um aprendizado livre das quatro paredes da sala de aula (nos Estados Unidos, diagnósticos de TDAH, são um grande fator que impulsiona diversos pais a tirarem seus filhos da escola e perseguir um novo modelo de educação).

3) Você pode acreditar que ter liberdade de desenvolvimento e construção do aprendizado é melhor do que seguir a ordem imposta pelos currículos. Você pode acreditar que as crianças são curiosas e inteligentes por natureza, e se não matarmos seus espíritos investigadores do mundo, elas serão muito bem sucedidas em aprender aquilo que necessitam para ocupar a posição que desejarem no mundo. Quem estiver atento pode perceber diariamente em diversos lugares exemplos de como as coisas que realmente importam para uma pessoa ou grupo de pessoas são aprendidas por elas mesmas através de seus interesses, sem a necessidade de que alguém ou alguma instituição tome a decisão por elas e a iniciativa de ensiná-las.

4) Você pode desejar que seus filhos tenham a oportunidade de aprender com real entusiasmo. No livro "Como amar uma criança", Janusz Korczak diz:

"Se você é capaz de diagnosticar a alegria da criança, sua intensidade, notará que a maior alegria dela é sempre porque venceu alguma dificuldade, atingiu um fim, desvendou um mistério. É a alegria da vitória, a felicidade de se sentir independente, de dominar o mundo, de ver seu próprio poder."

De que maneira a passividade de uma sala de aula poderia fornecer matéria-prima para isto? Como, se o desafio não é real para a criança, e sim imposto por outra pessoa? Como, se a recompensa, um número num papel, na maioria das vezes nada tem a ver com o que foi realmente conquistado por ela? O jogo da criança escolarizada é diferente do jogo da criança não escolarizada. A primeira quer desvendar qual a resposta que o professor quer escutar, aquela que vai lhe dar a melhor nota e vai fazê-la atravessar o ano suavemente. A segunda deseja saber a verdade sobre o mundo que a cerca, encontrando sempre um enorme prazer no desenlace de cada mistério.

5) Você pode desejar passar mais tempo em família, querendo participar e ver a beleza do processo do aprendizado e da aquisição de conhecimento dos seus filhos. Quem vivencia a chegada de uma criança na família e admira a rapidez com que ela aprende a segurar a cabeça, dominar seu corpo, caminhar, falar, pode se sentir no direito de participar de maneira ativa na continuidade deste processo, que é a descoberta da biologia, da física, da matemática, da geografia, da economia. No livro "teach your own" John Holt publicou uma carta de uma mãe dizendo que decidiu tirar os filhos da escola porque ela adorava a presença deles, e durante o ano letivo o "grande monstro amarelo" (ônibus escolar) levava as crianças para depois devolvê-las exaustas, mal-humoradas e famintas. Sua interação com eles limitava-se a alimentá-los, organizar o banho, e colocar para dormir. No primeiro ano de ensino domiciliar, as crianças desabrocharam como nunca no desenvolvimento de diversas aptidões e todos estavam muito mais felizes. Este desejo, que deve ser respeitado, é natural em muitas mães e pais, especialmente naqueles que decidiram ter filhos porque queriam a companhia, a presença e a alegria das crianças em casa, e não só porque ter filhos é uma coisa que todas as pessoas casadas fazem. Vale lembrar que desejar uma maior proximidade com os filhos não significa a inobservância das suas necessidades de ter amigos e de conviver com outras crianças de várias idades.

Eu mencionei apenas alguns motivos, e outras famílias podem ter outros para enriquecer a lista. O que quero dizer é que o unschooling pode ser justificado e motivado sem a necessidade de muita crítica às escolas. Ou seja, mesmo que as escolas fossem bem-sucedidas em fazer as crianças aprenderem os fundamentos acadêmicos e em socializá-las para se tornarem adultos amigáveis, cultos e generosos, o unschooling ainda teria uma razão de ser. Eu acredito que devemos sempre defender o direito das famílias em não querer nada disso do que eu falei e de ter opções de escolas de qualidade para mandarem seus filhos, mas esta não é a minha luta. A minha luta é pelo direito de trilhar outro caminho.

domingo, 12 de junho de 2011

A questão que nunca se cala: e a socialização?

Segundo o dicionário, a socialização é "um processo contínuo pelo qual um indivíduo adquire identidade pessoal e aprende normas, valores, comportamentos e habilidades adequadas à sua posição social; adaptação à vida em grupo, à convivência com outras pessoas."

Muitas pessoas acreditam que a escola é o único lugar onde as crianças podem passar por este processo. Mas a escola não é o único e está longe de ser o melhor lugar para a socialização das crianças. Um indivíduo aprende a viver em sociedade simplesmente vivendo em sociedade. Parece tão óbvio, mas no entanto as pessoas têm uma enorme inquietação, porque esta é sempre a primeira questão que surge quando alguém sugere que uma criança cresça fora da escola. Vivendo numa unidade familiar, visitando familiares e amigos, ajudando nas compras da casa, indo ao médico, na padaria, na escolinha de futebol, brincando com vizinhos ou outras crianças no parque, na praça, lendo revistas, jornais, livros - é assim que se dá a socialização. Naturalmente.

A escola foi criada para ensinar às crianças e jovens os fundamentos acadêmicos, não para socializá-las. A elas não é permitido conversar entre si ou mesmo falar qualquer coisa sem permissão do professor. Quando falam em sala de aula, é sempre com medo de errar e de ser humilhado pelos colegas ou muitas vezes pelo próprio professor. A conversa livre e espontânea acontece no intervalo de vinte minutos, ou fora dos muros da escola, ou nos grupinhos que estão "matando aula". Definitivamente a escola não permite que as crianças socializem tanto quanto elas gostariam.

E a qualidade da socialização? John Holt, famoso educador norte-americano, é categórico com relação a esse assunto: "Se não houvesse nenhum outro motivo para querer manter seus filhos fora da escola, a vida social seria razão suficiente." Segundo ele, em todas as escolas em que ele ensinou, conheceu ou ouviu falar, a vida social das crianças é superficial, esnobe, cheia de crueldade, sexualidade precoce, competição, exclusão, repleta de conversas sobre "quem foi e quem não foi em tal festinha de aniversário, quem recebeu o melhor presente de natal, quem recebeu mais cartões no dia dos namorados, quem é do grupinho que conversa com fulaninho e quem não é."
Pode ser que na escola as crianças consigam encontrar algumas pessoas com quem elas realmente se identifiquem e se tornem realmente amigos, mas a maior parte da socialização acontece da maneira como Holt descreve. No breve espaço de um recreio ou na hora da saída em qualquer escola, qualquer pessoa que tenha algum senso crítico acha estranha a quantidade de palavrões, atitudes esnobes e humilhantes, xingamentos e agressividade.

Como Patrice Lewis fala em seu artigo "The Tyranny of socialization" (A tirania da socialização), as pessoas que criticam a idéia de educação fora da escola usando o argumento da socialização querem na verdade dizer que as crianças que não vão para a escola provavelmente não vão agir como seus pares escolarizados. Mas eles se esquecem que essas famílias não têm o menor interesse em reproduzir os valores que são disseminados na escola. Lewis diz também que os pais que querem proteger seus filhos da socialização negativa que ocorre na escola são vistos como doentes controladores, mas que as crianças que crescem fora da escola não têm o menor ressentimento por não terem sido expostas à tal socialização escolar.

No Brasil não há muitas famílias praticando o unschooling, mas nos Estados Unidos há milhares de jovens crescendo fora da escola, e eles se destacam por terem melhor vocabulário, por serem mais corteses, por apreciarem mais os livros. E certamente não são "deficientes sociais". Eles têm amigos e uma vida social normal.

A questão que fica é: queremos socializar nossos filhos em um meio onde pululam valores degenerados?





terça-feira, 7 de junho de 2011

Educação livre - por quê?

"Já que nós não sabemos quais conhecimentos serão os mais necessários no futuro, não faz sentido tentar ensiná-los antecipadamente. Ao invés disso, nós deveríamos formar pessoas que amam tanto aprender e que são tão hábeis em adquirir conhecimento, que elas podem então aprender o que for necessário ser aprendido a cada momento."
- John Holt

Eu fui uma aluna considerada bem-sucedida na escola. Sempre tirei notas excelentes. No entanto, se eu tentar fazer um balanço, certamente não retive mais do que a metade da matéria que me foi ensinada ao longo dos meus anos escolares. No caso das crianças que foram mal na escola, certamente a porcentagem de aproveitamento é muito menor. Contando a partir da minha alfabetização, foram doze anos frequentando a escola seis horas por dia, cinco dias na semana, nove meses no ano. Se a escola me ensinou a fazer conta, eu digo que foram cerca de 14 mil horas assistindo a aulas, das quais pelo menos 7 mil foram completamente desperdiçadas. Agora eu pergunto, quem vai me devolver 7 mil horas da minha juventude? O que eu poderia ter aprendido ou produzido, que lugares eu poderia ter visitado, que pessoas eu poderia ter conhecido, ao invés de estar sentada numa cadeira devaneando, escrevendo bilhetinhos, rabiscando ou fazendo qualquer outra coisa que me ajudasse a lidar com o tédio?

É claro que algumas famílias preferem que a educação dos seus filhos aconteça na escola, dentro dos modelos existentes, com os currículos e provas e com as sete mil horas de tédio indo embora pelo ralo da juventude (um "mal necessário", creem eles). Eu não concordo, mas respeito o direito delas. Outras famílias percebem que tem alguma coisa errada nessa história toda, mas não acreditam que haja uma alternativa. E tem as famílias, entre as quais incluo a minha, que não acreditam que esse modelo seja o melhor para seus filhos, e que buscam um caminho diferente.

Muitas famílias acreditam que as crianças podem seguir seus "anos escolares" desvendando o mundo da mesma maneira como fazem desde que nasceram, ou melhor, desenvolvendo cada vez mais essa prática. Os bebês aprendem vendo, tocando, sentindo, cheirando, quebrando, caindo. Na medida em que crescem, se a elas for dada permissão e incentivo, as crianças se envolvem nas tarefas dos demais membros da família, fazem perguntas, abrem livros, procuram especialistas que respondam perguntas que seus pais não sabem responder, aprendem soma e subtração no simples ato de fazer uma compra no mercado, aprendem sobre juros ao participar das finanças da família, aprendem frações tentando dividir cinco barras de chocolate entre três irmãos, aprendem a ler para compreender o bilhetinho que o papai deixou, aprendem a escrever para compor uma cartinha de feliz aniversário para a vovó. Aprendem história, geografia, física, matemática, literatura, antes mesmo de saber que os adultos fazem essa divisão dos assuntos. E mais, aprendem felizes, entusiasmadas, porque aprendem de verdade, e não esquecem no dia seguinte como as crianças na escola que só estudaram para a prova.

No livro "Teach Your Own", John Holt traz dezenas de exemplos de crianças normais, de famílias normais (de todas as classes sociais), que alcançam aprendizados extremamente complexos para suas idades, somente porque elas tinham interesse no assunto. Um menino de sete anos que passou um mês só estudando química de nível de graduação porque se interessou pelo mundo dos átomos; outro de onze anos que fez um curso de astronomia junto com adultos, quase todos estudantes ou formados em física e matemática; uma menina de cinco que aprendeu sobre todo o ciclo de vida das borboletas. Tudo isso com o incentivo e ajuda dos pais, que não sabiam todas as respostas para suas dúvidas e curiosidades, mas que sabiam onde achar quem soubesse, encontraram professores universitários dispostos a ajudar (alguns que, inclusive, se tornaram amigos das crianças), encontraram livros, bibliotecas, bibliotecários que os ajudaram.

É extremamente difícil resumir em poucas palavras o que é o unschooling. Em "Teach Your Own", Holt diz:

"Quando pressionado, eu defino unschooling como a permissão para que as crianças tenham a maior liberdade para aprender no mundo que seus pais possam confortavelmente comportar. A vantagem deste método (sobre o método school-at-home) é que ele não requer que os pais se transformem em outra pessoa, um professor profissional despejando conhecimento nas veias da criança de maneira planejada. Ao invés disso, vocês vivem e aprendem juntos, perseguindo questões e interesses enquanto eles surgem e usando materiais convencionais da escola quando e se houver demanda para isso. É desta maneira que nós aprendemos antes de ir para a escola e depois que saímos dela."

Por exemplo, o interesse de uma criança por trens pode levá-la a estudar como os motores funcionam (ciência), quando e em que contexto foram inventados (história), para que servem (geografia e economia), etc. Ou o interesse por passarinhos pode levá-la a estudar biologia e ecologia. O importante é que serão interesses da própria criança, um projeto que ela mesma criou, e portanto ela jamais esquecerá o que ela aprendeu.

Eu acredito que é aprendendo desta maneira que elas se tornarão jovens adultos apaixonados pelo conhecimento, extremamente hábeis em aprender qualquer coisa que precisem para seguir com liberdade e entusiasmo o seu rumo pela vida.

domingo, 5 de junho de 2011

A morte do amor pelo aprendizado

“Se eu não estivesse aqui para exigir e cobrar de vocês, vocês não fariam nada.”


As crianças, quando bem pequenas, encontram dentro de si mesmas a motivação para aprender. Mesmo que ninguém exija nada, elas desejam ardentemente aprender a andar, a falar, a correr, a subir, a pular, a encaixar, a fechar, a abrir, a dançar, a equilibrar. Elas não precisam de ninguém cobrando isso delas, porque elas amam e querem muito aprender sobre as coisas deste mundo tão interessante no qual os adultos fazem tantas coisas ainda estranhas. Elas desejam extrair sentido de cada gesto, cada objeto, cada engrenagem, cada ser vivo, e para isso vão conquistando o aprendizado de coisas extremamente complexas numa velocidade que deixa toda mãe e todo pai atônitos.


Então por que um professor falaria tal frase para um grupo de alunos? O que aconteceu no meio do caminho para que essas crianças antes tão apaixonadas e tão hábeis em aprender se transformassem em crianças desinteressadas, que não prestam atenção, que não fazem as lições e não aprendem nada se não estiverem sob a força de um cabresto?


O que aconteceu é que a partir do momento em que elas foram para a escola, elas foram perdendo aos poucos a motivação que havia dentro delas mesmas. Ao ser submetida a currículos e provas, a criança vai mudando o foco do aprendizado: antes, era preciso aprender para fazer coisas legais, para atender a uma necessidade ou vontade daquele momento; agora, é preciso aprender para ganhar uma boa nota, para passar de ano, para agradar ao professor e para agradar aos pais. E é preciso aprender coisas que não interessam naquele momento, que são parcial ou completamente desconectadas de sua realidade. Na ordem em que o currículo manda, e não na ordem da sua curiosidade, da sua ansiedade em entender as coisas do mundo.


Não há outra conseqüência para esta prática do que a morte de quase toda centelha de alegria e amor pelo aprendizado. Pode ser que essas crianças, na vida adulta, consigam se libertar da institucionalização do ensino e reconquistar esse amor pela compreensão do mundo. Mas certamente nunca em sua totalidade.


(a frase é do filme “entre os muros da escola”)