Educadores como John Holt, James Herndon, George Dennison e, mais atualmente, Ken Robinson, escreveram muito sobre os males que as escolas podem fazer às crianças. Talvez eu ainda venha a escrever mais sobre isso, mas no momento eu queria falar que a prática do unschooling tem diversas motivações independentemente da opinião que temos sobre as escolas:
1) Você pode achar que a educação dos seus filhos concerne muito mais a você do que a qualquer instituição. Afinal, os pais que gostam e desejam participar do desenvolvimento dos seus filhos os conhecem muito bem, sabem quais são seus potenciais, suas virtudes e defeitos, suas aptidões, suas tendências, melhor do que qualquer professor, melhor do que o ministro da educação, que a diretora da escola particular, que o presidente, que qualquer pessoa que tenha opinado da hora da decisão pela composição do currículo escolar.
2) Você pode achar que as necessidades educacionais dos seus filhos não podem ser atendidas em uma situação escolar normal. Por exemplo, você pode desejar que a educação do seu filho esteja vinculada à educação religiosa. Você pode desejar que nos aprendizados sobre o planeta, o universo, a vida e a morte, as estrelas, as formas de energia, etc, os valores religiosos da sua família possam ser discutidos de maneira entrelaçada com o conteúdo, lembrando que isso pode ser feito sempre mantendo a observância das evidências científicas sobre cada assunto. Outro exemplo: você pode considerar que seu filho é uma criança extremamente ativa e que para ele seria uma tortura passar várias horas do dia, vários dias na semana, várias semanas do ano, sentado numa cadeira aprendendo passivamente. Uma criança pode aprender biologia num livro ou através da palestra de um professor, mas pode aprender as mesmas coisas num passeio no campo ou na praia, conversando com a mãe, o pai ou um tutor. Pode aprender história na sala de aula ou numa viagem, num museu. Obrigar uma criança muito ativa a permanecer sentada e calada por muito tempo é um caminho possível para pseudo-diagnósticos de TDAH (para mais informações, ver o livro "The myth of the ADD child", de Thomas Armstrong). Uma criança muito ativa pode ser medicada para conseguir lidar com a escola ou pode viver um aprendizado livre das quatro paredes da sala de aula (nos Estados Unidos, diagnósticos de TDAH, são um grande fator que impulsiona diversos pais a tirarem seus filhos da escola e perseguir um novo modelo de educação).
3) Você pode acreditar que ter liberdade de desenvolvimento e construção do aprendizado é melhor do que seguir a ordem imposta pelos currículos. Você pode acreditar que as crianças são curiosas e inteligentes por natureza, e se não matarmos seus espíritos investigadores do mundo, elas serão muito bem sucedidas em aprender aquilo que necessitam para ocupar a posição que desejarem no mundo. Quem estiver atento pode perceber diariamente em diversos lugares exemplos de como as coisas que realmente importam para uma pessoa ou grupo de pessoas são aprendidas por elas mesmas através de seus interesses, sem a necessidade de que alguém ou alguma instituição tome a decisão por elas e a iniciativa de ensiná-las.
4) Você pode desejar que seus filhos tenham a oportunidade de aprender com real entusiasmo. No livro "Como amar uma criança", Janusz Korczak diz:
"Se você é capaz de diagnosticar a alegria da criança, sua intensidade, notará que a maior alegria dela é sempre porque venceu alguma dificuldade, atingiu um fim, desvendou um mistério. É a alegria da vitória, a felicidade de se sentir independente, de dominar o mundo, de ver seu próprio poder."
De que maneira a passividade de uma sala de aula poderia fornecer matéria-prima para isto? Como, se o desafio não é real para a criança, e sim imposto por outra pessoa? Como, se a recompensa, um número num papel, na maioria das vezes nada tem a ver com o que foi realmente conquistado por ela? O jogo da criança escolarizada é diferente do jogo da criança não escolarizada. A primeira quer desvendar qual a resposta que o professor quer escutar, aquela que vai lhe dar a melhor nota e vai fazê-la atravessar o ano suavemente. A segunda deseja saber a verdade sobre o mundo que a cerca, encontrando sempre um enorme prazer no desenlace de cada mistério.
5) Você pode desejar passar mais tempo em família, querendo participar e ver a beleza do processo do aprendizado e da aquisição de conhecimento dos seus filhos. Quem vivencia a chegada de uma criança na família e admira a rapidez com que ela aprende a segurar a cabeça, dominar seu corpo, caminhar, falar, pode se sentir no direito de participar de maneira ativa na continuidade deste processo, que é a descoberta da biologia, da física, da matemática, da geografia, da economia. No livro "teach your own" John Holt publicou uma carta de uma mãe dizendo que decidiu tirar os filhos da escola porque ela adorava a presença deles, e durante o ano letivo o "grande monstro amarelo" (ônibus escolar) levava as crianças para depois devolvê-las exaustas, mal-humoradas e famintas. Sua interação com eles limitava-se a alimentá-los, organizar o banho, e colocar para dormir. No primeiro ano de ensino domiciliar, as crianças desabrocharam como nunca no desenvolvimento de diversas aptidões e todos estavam muito mais felizes. Este desejo, que deve ser respeitado, é natural em muitas mães e pais, especialmente naqueles que decidiram ter filhos porque queriam a companhia, a presença e a alegria das crianças em casa, e não só porque ter filhos é uma coisa que todas as pessoas casadas fazem. Vale lembrar que desejar uma maior proximidade com os filhos não significa a inobservância das suas necessidades de ter amigos e de conviver com outras crianças de várias idades.
Eu mencionei apenas alguns motivos, e outras famílias podem ter outros para enriquecer a lista. O que quero dizer é que o unschooling pode ser justificado e motivado sem a necessidade de muita crítica às escolas. Ou seja, mesmo que as escolas fossem bem-sucedidas em fazer as crianças aprenderem os fundamentos acadêmicos e em socializá-las para se tornarem adultos amigáveis, cultos e generosos, o unschooling ainda teria uma razão de ser. Eu acredito que devemos sempre defender o direito das famílias em não querer nada disso do que eu falei e de ter opções de escolas de qualidade para mandarem seus filhos, mas esta não é a minha luta. A minha luta é pelo direito de trilhar outro caminho.